Eleições na Tailândia

Política e eleições na Tailândia

Olá, meu nome é Tiago Ferreira e moro na Tailândia há quatro anos. Sou professor universitário na graduação de Estudos Hispânicos e Latino-americanos da Universidade Thammasat, onde ensino português, história e cultura do Brasil. Venho aqui para falar um pouco sobre a política e eleições na Tailândia.

Protestos em favor da democracia em 2020 – Imagens: Tiago Ferreira

Vocês, fãs de BL, ultimamente têm visto muitas informações sobre política tailandesa no X (Twitter). Recentemente, aconteceram as eleições gerais tailandesas no dia 14 de maio de 2023 (ou 2566 no calendário budista). Essas eleições são importantes por vários motivos. Primeiro porque foram as primeiras eleições depois dos protestos políticos de 2020.

Eu estive nesses protestos e eles foram históricos porque foi a primeira vez na história moderna tailandesa que o poder da monarquia foi questionado. Na Tailândia é proibido criticar a monarquia, crime punido com até 12 anos de prisão. Dessa forma, essas eleições foram as primeiras impactadas pelo novo clima político inaugurado pelos protestos.

Protestos na Tailândia
Protestos em favor da democracia, no Monumento à Democracia (Julho de 2020) – Imagem: Tiago Ferreira

Importância dessas novas eleições

Essas eleições também são importantes pois marcam o fim da hegemonia dos camisas vermelhas (do partido Pheu Thai) dentro do campo progressista ou de esquerda na Tailândia, graças à ascensão do Move Forward, fenômeno político que surgiu nos últimos anos e que foi um verdadeiro terremoto. Mas o que são os camisas vermelhas e o que é o Move Forward? Eu explico!

Os camisas vermelhas surgiram como forma de protesto contra a deposição de Thaksin Shinawatra por um golpe militar em 2006. Thaksin foi um líder populista e primeiro-ministro tailandês que forneceu aos mais pobres muitas políticas de distribuição de renda e crédito. Por causa disso, ele se tornou muito popular na Tailândia, especialmente entre os habitantes das áreas rurais e do norte/nordeste do país. Por outro lado, a popularidade de Thaksin causou inveja na elite de Bangkok que se aliou aos militares e aplicou o golpe de 2006.

Thaksin Shinawatra - Eleições na Tailândia
Thaksin Shinawatra – Imagem: Reprodução/Internet

Inconformados, os apoiadores do primeiro ministro deposto decidiram protestar e criaram o movimento chamado de Camisas Vermelhas. Eles paralisaram Bangkok diversas vezes com grandes protestos que aterrorizavam a elite econômica, os militares e os monarquistas.

Camisas Vermelhas vs Camisas Amarelas

Os camisas vermelhas se opunham aos Camisas Amarelas, pois o amarelo é a cor símbolo do rei. Dessa forma, por muitos anos, o vermelho e o amarelo definiram as posições políticas dos tailandeses. O vermelho simbolizava a esquerda, o lado a favor da democracia. O amarelo simbolizava a monarquia e sua aliança com os militares.

Eleições na Tailândia - Camisas Vermelhas e Camisas Amarelas
Camisas Vermelhas e Camisas Amarelas – Imagem: Bangkok Jack

Apesar do golpe de 2006, os militares e seus aliados monarquistas nunca conseguiram acabar com a influência de Thaksin Shinawatra e sua família. Thaksin foi viver no exílio em Dubai, mas ele continuou controlando o movimento político dos camisas vermelhas do exterior. Sua popularidade se provou quando sua irmã, Yingluck Shinawatra, foi eleita primeira ministra em 2011, para o terror dos conservadores.

Yingluck tentou aprovar uma lei de anistia para trazer seu irmão de volta para a Tailândia, uma vez que ele não podia voltar para casa porque seria preso pelos militares. Os camisas amarelas realizaram vários protestos para derrubar Yingluck e impedir a aprovação de sua lei de anistia. Em 2014, ela foi derrubada por decisão da Suprema Corte tailandesa, mais uma instituição que é controlada pelos conservadores. Logo depois, para completar o golpe, os militares tomaram o poder, cancelando a constituição. Esse foi o Golpe Militar tailandês de 2014.

Política

Uma nova constituição foi escrita, uma bem mais conservadora. De acordo com a nova carta foi criado um Senado biônico que não é eleito pelo voto popular, mas escolhido pelas forças armadas. O Congresso tem 500 deputados, enquanto o Senado tem 250, totalizando 750 parlamentares.

Isso quer dizer que, na prática, os militares passam a ter 1/3 do Parlamento sob seu controle, sem precisar vencer as eleições legislativas para formar um governo e eleger um primeiro-ministro. Nas eleições de 2019, as primeiras depois do golpe militar de 2014, o partido apoiado pelas forças armadas só precisou de pouco mais de 20% dos votos para formar um governo.

Após “vencerem” as eleições, o novo governo tratou de cancelar os direitos políticos de opositores, o que causou os protestos de 2020 a qual me referi anteriormente. Esses Protestos foram históricos porque eles foram os primeiros a questionar abertamente o poder da monarquia.

Eleições na Tailândia - Pheu Thai e Move Forward
Pheu Thai (à esquerda) e Move Forward (à direita) – Imagem: Reprodução/Internet

Fatídico 2023

Agora chegamos ao ano de 2023 (2566). Um novo partido de esquerda surgiu recentemente, o Gao Glai (chamado em inglês de Move Forward). Esse partido é mais radical do que o movimento dos Camisas Vermelhas. Eles são mais abertamente críticos à monarquia do que o Pheu Thai (o partido dos vermelhos).

O Move Forward usa a cor laranja e, diferente do Pheu Thai, tem sua base eleitoral nas zonas urbanas e, principalmente, entre os estudantes. Já os vermelhos são, tradicionalmente, do nordeste e norte da Tailândia, principalmente das zonas rurais.

Nas eleições de 2023, o partido Move Forward surpreendeu, se tornando o principal partido de esquerda ao superar o Pheu Thai. O Gao Glai (Move Forward) defende o casamento igualitário para a população LGBTQIA+, além de propor a abolição do serviço militar obrigatório. Sua mais ousada proposta, entretanto, é outra: mudar a lei que condena à prisão quem critica a monarquia, algo que nem o Pheu Thai teve coragem de propor.

Os resultados das eleições foram chocantes para os monarquistas e apoiadores dos militares. O Move Forward obteve 38% dos votos, seguido pelo Pheu Thai com 28,86%. Isso quer dizer que os dois partidos de esquerda tiveram 66% dos votos, enquanto o partido do atual primeiro-ministro (um militar que foi líder do golpe de 2014) obteve míseros 12,55% dos votos.

Pita Limjaroenrat
Pita Limjaroenrat, líder do Move Forward – Imagem: Andre Malerba/Bloomberg

Não foi dessa vez…

Agora você pode imaginar: “Que ótimo, então a democracia venceu!”. Não é bem assim. Lembram que os militares escolheram 250 senadores dentre os 750 do total de congressistas? Isso quer dizer, na verdade, que o eleitorado tailandês tem o poder de escolher apenas 500 congressistas, o que daria 2/3 do montante final. No sistema parlamentarista é o congresso que escolhe o primeiro-ministro e isso significa que os militares já possuem 250 votos sem precisar fazer nada.

Mesmo ganhando as eleições, o Move Forward precisaria do voto de parte dos senadores para eleger o primeiro ministro, mas isso não ocorreu. Na votação para escolha do primeiro-ministro que aconteceu semanas atrás, Pita, o líder do Move Forward, não conseguiu os votos necessários porque o Senado se recusou a votar nele. Isso, portanto, impede o partido de formar um governo.

Para piorar, a Comissão Eleitoral decidiu, no dia 19 de agosto, desqualificar Pita, alegando que ele violou a lei eleitoral por supostamente possuir ações numa empresa de mídia (o que é proibido para candidatos na Tailândia). Analistas políticos afirmam que essa é apenas uma manobra para impedir que o Move Forward vença e mude a lei que proíbe críticas à monarquia.

Paetongtarn Shinawatra
Paetongtarn Shinawatra, líder do Pheu Thai – Imagem: MANAN VATSYAYANA/AFP via Getty Images

A grande reviravolta

Já que o Move Forward não pode assumir o governo, o Pheu Thai decidiu trair sua aliança com a coalizão de esquerda e convidou os partidos apoiadores dos militares para formar um novo governo. Isso mesmo, o Pheu Thai convidou o campo da ditadura para fazer parte de seu projeto de governo. Tal proposta causou forte reação negativa por parte do eleitorado tailandês, com muitos eleitores dos vermelhos decepcionados, enquanto os laranjas, enfurecidos.

Neste dia 22, o parlamento irá votar na proposta do Pheu Thai de formar um novo governo, numa coalizão entre os vermelhos e os partidos pró-militares. A bizarrice é grande, visto que foram os mesmos militares que deram dois golpes (um em 2006 e outro em 2014) contra governos do Pheu Thai, colocando o atual primeiro-ministro, Prayut Chan-o-cha, no poder. Esse que também liderou a repressão contra os protestos dos Camisas Vermelhas em 2010, resultando num massacre com quase 100 mortes.

Existe um rumor de que o Pheu Thai está costurando uma anistia para que Thaksin possa retornar para a Tailândia (ele ainda vive exilado em Dubai) e que o convite que fizeram aos militares faz parte dessa espécie de “acordão”. Mas a pergunta que fica é: Thaksin é mais importante do que o voto do povo tailandês?

Não percam a votação do dia 22, momento em que saberemos o desfecho disso tudo. Aguardo ansiosamente para discutir com vocês os desdobramentos dessa história nos próximos dias.

Tiago Ferreira

Mora há mais de 4 anos na Tailândia. É professor universitário de Estudos Hispânicos e Latino-americanos da Universidade Thammasat, segunda mais antiga instituição de ensino superior do país, onde leciona sobre língua portuguesa, história e cultura brasileira.