The Paradise of Thorns: uma análise do novo filme gay de Jeff Satur
Já faz alguns anos que a GDH (Gross Domestic Hapiness) se consolidou como a maior produtora de cinema da Tailândia. Os grandes sucessos de bilheteria do cinema tailandês dos últimos 10 anos foram quase todos produzidos pela empresa. Entretanto, 2024 tem sido ainda melhor para a companhia, que teve em seu primeiro semestre o grande sucesso internacional How to Make Millions Before Grandma Dies, estrelado pelo ator e cantor Billkin.
Agora, no segundo semestre do ano, por sua vez, vê a eclosão de um novo êxito nos cinemas, o filme The Paradise of Thorns (วิมานหนาม – Wiman Nam, que significa “Palácio de Espinhos” em tradução literal). Estrelado por Jeff Satur e dirigido por Naruebet Kuno, o mesmo diretor da icônica série BL I Told Sunset About You (2020), o filme prometia grandes emoções e estética visual impressionante. Ao assistir ao filme, a sensação de grandiosidade estética se confirmou, mas em sua parte final deixou impressões mistas. Aqui, vou detalhar as forças e fraquezas da obra.
A Magia da Estética de The Paradise of Thorns
Confesso que estava muito curioso para saber o que Naruebet aprontaria dessa vez, visto que I Told Sunset About You (2020) é uma das séries tailandesas que mais gosto. Fui assistir ao filme nos cinemas tailandeses para tecer esta crítica em primeira mão da nova película de Jeff Satur. Posso dizer que tenho sentimentos mistos sobre a terça parte final de The Paradise of Thorns, mas gostei muito do resultado geral.
Naruebet Kuno continua sendo muito eficiente na parte estética. Sei que é um clichê de gente metida a cult dizer “adorei a fotografia”, mas é impossível não elogiar o talento do diretor nesse quesito. A fotografia neste filme é tão bonita e atraente quanto no BL citado, que, sem dúvidas, foi o primeiro a de fato investir numa produção caprichada. Cada pedacinho do filme poderia ser usado para preencher o papel de parede mais lindo do seu computador ou celular.
A história se passa no interior remoto da Tailândia — bem distante de Bangkok, com a qual a maioria dos telespectadores está acostumada —, na província de Mae Hong Son, na fronteira com Mianmar. Trata-se de uma Tailândia rural e empobrecida, onde não há uma única sala de cinema em toda a província, e os tailandeses da região central precisam de legendas para entender parte do filme, falado em um dialeto diferente. A fotografia de Naruebet Kuno capta muito bem essa atmosfera, que mistura o isolamento do desenvolvimento da cidade, o limite de recursos materiais e a exuberância da natureza que o filme quer passar. Não vou adentrar mais em questões estéticas, mas finalizo dizendo que a fotografia é mesmo deslumbrante e faz a diferença. Você se sente dentro daquele pomar de durian e tal imersão se dá, em grande medida, pela câmera eficiente que foi empregada aqui.
O Excesso de Melodrama
Por outro lado, se eu tivesse que citar aspectos negativos do filme, diria que Naruebet Kuno repete aqui um erro semelhante ao que cometeu em ITSAY: o excesso de melodrama em momentos-chave da história. Não me entendam mal, eu realmente adoro ITSAY, mas tenho a sensação de que o Episódio 4, por exemplo, exagerou um pouco nas emoções. Kuno parece gostar de cenas com gritarias e choros excessivos, com direito a muito catarro envolvido, o que nem sempre funciona bem.
Os dois primeiros terços de The Paradise of Thorns são um pouco mais equilibrados; os diálogos são menos expositivos e há mais espaço para nuances. Já o terço final se assemelha a uma novela latino-americana, com diálogos bem expositivos e emoções à flor da pele, culminando em um polêmico final trágico que dividiu opiniões entre os tailandeses.
A Trama: Luta pela Terra e Legado
Em The Paradise of Thorns, Thongkham (Jeff Satur) e Sek (Toey Pongsakorn) são um casal gay que possui um pequeno pomar de durians, uma fruta típica do sudeste asiático cheia de espinhos (de onde vem o título do filme). Os dois trabalharam duro por meses com o objetivo de produzir frutas para venda. Como não são casados legalmente (a história se passa em 2023, e o casamento igualitário só é aprovado na Tailândia em 2024), as terras estão no nome de apenas um deles, Sek. Entretanto, foi com o dinheiro investido por Thongkham que tanto as árvores de durian quanto a casa da pequena propriedade foram adquiridas. Os dois vivem como maridos e sócios, mas sem o reconhecimento da lei.
Um dia, logo após conseguirem produzir as primeiras flores de durians, que darão origem aos frutos, Sek sofre um acidente ao cair de uma das árvores e bater a cabeça. Ele é levado ao hospital por Thongkham, mas o médico se recusa a realizar a cirurgia para estancar a hemorragia cerebral sem a autorização de um familiar. Thongkham não pode assinar os papéis, pois não é legalmente casado com Sek. A mãe de Sek é contactada e tenta chegar ao hospital o mais rápido possível, mas sofre um pequeno acidente de moto no caminho e não chega a tempo. Sem poder assinar os papéis de autorização, Thongkham vê o marido partir diante dos seus olhos, sem poder fazer nada.
Com a morte de Sek, a história de The Paradise of Thorns realmente começa. Thongkham precisa cuidar do pomar sozinho, o que é um trabalho bastante pesado para uma única pessoa. Enquanto isso, ele tenta cuidar da sua sogra da melhor forma possível, dando-lhe algum dinheiro ou levando-a ao hospital quando necessário. A idosa, chamada Saeng (Seeda Puapimon), leva uma vida muito simples, vendendo verduras na beira de uma estrada rural, e passa a depender da ajuda de Thongkham.
As coisas mudam, entretanto, quando Saeng faz um pedido inusitado a Thongkham. Ela diz sentir falta do filho morto e pede para dormir na casa do pomar por um dia, para matar a saudade. Ela não vai sozinha. Junto dela vem uma jovem chamada Mo (Engfa Waraha), que cuida da idosa. Thongkham não entende qual é a relação entre Mo e Saeng, nem por que as duas querem tanto passar uma noite na casa do pomar. Logo ele descobre que Saeng soube pelas autoridades que tudo o que estava no nome de Sek seria automaticamente transferido para o nome dela. Dessa forma, as duas foram ao pomar apenas para comunicar a Thongkham a nova situação: as terras e a casa pertenciam agora a Saeng, sua sogra.
A partir daí, Thongkham se vê humilhado na própria casa que construiu e perde o direito ao pomar que ajudou a erguer com seu dinheiro. Saeng, entretanto, permite que ele fique na propriedade, mas com o status de dono rebaixado para o de empregado do pomar. Enquanto Saeng e Mo vão morar na casa que era dele, Thongkham se vê forçado a dormir debaixo da residência, dividindo espaço com Jingna (Keng Harit, conhecido pelo BL Khemjira The Series), o irmão de Mo, que vem para ajudar na plantação de durians.
Temas Sociais e Conflitos de Herança em The Paradise of Thorns
É importante mencionar que o enredo não se concentra exclusivamente na desigualdade gerada pela falta de reconhecimento dos direitos LGBTQIA+ pelo Estado. Este não é um filme que aborda de forma militante essas questões, como se vê nas redes sociais. E isso, a meu ver, não é necessariamente um ponto negativo. O tema está presente, mas serve mais como ponto de partida para o conflito principal: a luta entre os personagens pela posse das terras onde os durians são cultivados.
Basicamente, todos os personagens vêm de origens humildes e enfrentam muitas dificuldades. Os durians representam uma oportunidade única de ascensão social, e ninguém quer ficar para trás. O elenco é bastante convincente, especialmente os quatro atores principais: Jeff Satur, Engfa Waraha, Keng Harit e Seeda Puapimon.
Thongkham (Jeff Satur) e Mo (Engfa Waraha) são os grandes rivais da trama, disputando a preferência de Saeng. A sogra de Thongkham, Saeng, é uma mulher de origem humilde que se revela gananciosa e arrogante, aproveitando a disputa entre Thongkham e Mo para manipular a situação a seu favor. Ela sempre teve uma vida modesta e, ao se tornar proprietária, enxerga a chance de obter tudo o que sempre desejou.
Percebendo a rivalidade entre Mo e Thongkham, Saeng explora isso, mantendo os dois sob seu controle. Enquanto Mo usa a confiança e proximidade que construiu com Saeng a seu favor, Thongkham recorre ao seu conhecimento sobre o pomar de durians como sua principal vantagem. Saeng tira proveito do esforço de ambos, sem deixar claro qual deles será o escolhido para ficar com a propriedade – se é que pretende escolher alguém.
O Romance em The Paradise of Thorns
No meio dessa disputa, o personagem Jingna se destaca por ser diferente da irmã e de Saeng. Ele é o único dos “invasores” que não demonstra grande interesse nas terras. Calado e introspectivo, Jingna tem um olhar delicado e parece mais interessado em Thongkham do que na disputa pelo pomar. Ao longo da trama, o espectador percebe que essa simpatia por Thongkham tem uma razão: Jingna nutre um interesse afetivo e sexual pelo protagonista.
Thongkham, disposto a recuperar as terras a qualquer custo, tenta usar essa atração a seu favor, buscando obter informações de Mo através de Jingna. Contudo, à medida que a relação entre eles se desenvolve, surge uma conexão genuína, e ambos começam a trabalhar juntos no cultivo dos durians, enquanto Mo e Saeng passam a maior parte do tempo dentro de casa.
O relacionamento entre Jingna e Thongkham é doce e charmoso, mas talvez não tenha o destaque que muitos fãs de histórias LGBTQIA+ esperariam. Embora isso possa ser visto como uma limitação do filme, não chega a ser um grande incômodo. Afinal, o trailer de The Paradise of Thorns já deixava claro que o foco principal da trama seria outro. No entanto, um pouco mais de desenvolvimento no romance entre os dois teria tornado a história ainda mais envolvente.
Ganância, Segredos e Revelações
Algumas pessoas podem achar que o tema da ganância e disputa por herança também não é tão aprofundado quanto poderia. Afinal, sobre o que é este filme? Amor? Ganância? Egoísmo? Rivalidade? Um triângulo amoroso? Talvez seja um pouco de tudo. Há sempre o risco de falhar ao tentar abordar tantos temas simultaneamente, e isso pode acontecer em alguns momentos. Mesmo assim, acredito que o filme consegue equilibrar bem esses elementos, mantendo a história interessante e envolvente.
O espectador realmente quer saber como tudo vai terminar: Quem sairá vitorioso em The Paradise of Thorns? Mo ou Thongkham? Jingna ficará ao lado de Thongkham, traindo sua irmã? Quais são as reais intenções de Saeng? Thongkham conseguirá vender os durians após a colheita? E, se vender, Saeng ficará com todo o dinheiro ou dividirá com ele? Essas perguntas mantêm o público curioso.
Conforme a trama se desenrola, várias histórias são reveladas, e os personagens passam por constantes transformações. Thongkham descobre, por exemplo, que seu ex-marido Sek também tinha um relacionamento com Mo, o que explica o envolvimento dela com Saeng e sua reivindicação pelas terras do pomar (como ex-mulher do falecido). Essa revelação coloca Sek numa posição ambígua, quase como um vilão, já que toda a confusão foi causada por seus dois relacionamentos paralelos.
Dor e Lágrimas na Reta Final de The Paradise of Thorns (Spoilers Adiante)
A rivalidade entre Mo e Thongkham pela preferência de Saeng, e, consequentemente, pelo favorecimento no possível testamento da idosa, vai escalando ao longo da história. É nessa parte final do filme que o roteiro acelera e adota uma abordagem mais melodramática. Desesperada ao acreditar que Saeng vai favorecer Thongkham no testamento, Mo mata a idosa, mas não sem antes forçá-la a assinar uma declaração transferindo a titularidade do pomar para seu nome.
Assim que se torna dona das terras, Mo tenta expulsar Thongkham de casa, mas ele reage e tenta agredi-la. A cena do embate é repleta de berros e violência, lembrando as clássicas cenas de confronto em novelas dramáticas. A sensação é a mesma da cena de Avenida Brasil em que Carminha é desmascarada pela família Tufão. O diálogo é intenso, cheio de gritos, confissões e acusações, onde ambos extravasam o ódio acumulado, explicando seus pontos de vista em meio ao caos.
Após essa espécie de catarse, Mo e Thongkham parecem atingir um momento de empatia mútua. Afinal, ambos foram enganados por Sek. Chega-se a pensar que um acordo entre eles é possível, mas o roteiro escolhe um final mais previsível e trágico, decidindo eliminar um dos personagens – algo que se torna óbvio antes mesmo de acontecer.
O Desfecho Trágico de The Paradise of Thorns
O novo marido de Mo, com quem ela havia se casado recentemente, surge no clímax do confronto e encontra sua esposa ferida. Tomado pela fúria, ele tenta matar Thongkham, que é salvo por Jingna, seu namorado. No meio dessa caótica luta, Jingna acaba sendo morto pelo marido de Mo. No fim das contas, a batalha pelo pomar de durians custou a vida do único vínculo emocional verdadeiro que os dois personagens compartilhavam: Jingna. Thongkham, assim, perde o segundo amor de sua vida e termina a história partindo, enquanto Mo fica sozinha, devastada.
Minha maior crítica à The Paradise of Thorns não é o fato de ele terminar com a morte de um personagem querido (Jingna, possivelmente o único personagem com integridade nessa história), mas o fato de que o final foi excessivamente previsível. Assim que o marido de Mo apareceu, minha primeira reação foi: “Espero que o filme não termine com o marido matando alguém.” E foi exatamente o que aconteceu. Se você não gosta de filmes LGBTQIA+ onde um dos personagens do casal morre, talvez esse não seja para você.
Apesar disso, gostei muito de The Paradise of Thorns. O que posso concluir é que, embora haja falhas, o resultado final ainda é estranhamente satisfatório. É um filme que já se consolidou como um clássico do cinema queer tailandês. Provavelmente, é o primeiro grande sucesso de bilheteria de um filme gay tailandês que conseguiu ultrapassar a bolha do BL e atrair até o público hétero masculino. Meu conselho é: apenas assista, assim que estiver disponível internacionalmente.